TESTEMUNHA DE JEOVÁ PODE SE RECUSAR A RECEBER TRANSFUSÃO DE SANGUE?
- Lucas Simon
- 9 de ago. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 12 de out. de 2023

Se você não quer receber sangue de outra pessoa, porque é Testemunha de Jeová ou de qualquer seguimento religioso ou por ter suas convicções próprias sobre a transfusão de sangue, eu te digo: você não é obrigado a receber o tratamento, e eu vou te explicar o motivo.
Essa não é uma discussão tão desconhecida, muito e há muito se fala sobre isso, mas talvez neste post eu te traga novas fontes de pesquisa que justifiquem a recusa do tratamento.
Bioética e a transfusão de sangue em Testemunha de Jeová
Antes de adentrarmos no assunto principal que é a justificativa, é preciso esclarecer que o direito à escolha de receber ou não a transfusão de sangue está diretamente atrelado à Bioética.
Nas discussões que envolvem direitos como esse, a questão sobre o que é Ética e Moral sempre é levantada. De forma simples: ética é um regramento que normatiza o comportamento das pessoas por meio de costume, juízo de valor. Já a moral é um conjunto de normas regrados por uma legislação.
Por isso que a bioética trabalha com juízo de valor — estudo transdisciplinar entre Biologia, Filosofia, Medicina e o Direito. O estudo de alguns princípios é necessário para alcançar o objetivo desse post: o porquê do direito à escolha.
Princípios do Direito Médico:
a) Autonomia do paciente: Valoriza a vontade do paciente, ou de seus representantes, levando em conta, em certa medida, seus valores morais e religiosos. Reconhece o domínio do paciente sobre a própria vida (corpo e mente) e o respeito à sua intimidade, restringindo com isso a intromissão alheia no mundo daquele que está sendo submetido a um tratamento. Aquele que estiver com sua vontade reduzida deverá ser protegido. A autonomia seria a capacidade de atuar com conhecimento de causa e sem qualquer coação ou influência externa. Desse princípio decorre a exigência do Consentimento Livre e Informado. Valoriza a vontade do paciente ou do seu representante. Observa-se alguns valores morais e religiosos.
b) Princípio da não maleficência: é a obrigação do médico de não acarretar dano intencional e deriva da máxima da ética médica: primum non nocere (primeiro não fazer) — quando o médico prejudica ou negligencia o seu papel como médico e lesiona um paciente — mesmo que seja na modalidade “culpa”, ele será responsabilizado — o mesmo serve para quem participa de pesquisa científica com seres humanos.
c) Princípio da beneficência: Refere-se ao atendimento do médico e dos demais profissionais da área da saúde, em relação aos mais relevantes interesses do paciente, visando ao seu bem-estar, evitando-lhe quaisquer danos. Baseia-se na tradição hipocrática de que o profissional da saúde, em particular o médico, só pode usar o tratamento para o bem do enfermo, segundo sua capacidade e juízo, e nunca para fazer o mal ou praticar a injustiça. No que concorre às moléstias, deverá ele criar na práxis médica o hábito de auxiliar ou socorrer, sem prejudicar ou causar mal ou dano ao paciente — também para a pesquisa.
d) Princípio da justiça: Requer a imparcialidade na distribuição dos riscos e benefícios da prática médica, pelos profissionais da área da saúde, procurando evitar a discriminação — necessário, por exemplo, que o governo tenha feito grupos prioritários para as vacinas do Coronavírus.
e) Princípio da equidade: que cada um (paciente) receba o que lhe é proporcional. De acordo com o artigos 2°, 6°, 197, da Constituição Federal e artigo 6°, da Lei 8080/90, os iguais devem ser tratados de modo igual e os desiguais de modo desigual. Essa é uma atribuição da equidade. O que se objetiva não é que todos devem receber o mesmo, mas que cada um receba o que lhe é proporcional.
Exemplo: Fulano tem 1,90 de altura e recebe um banquinho de 10 cm, para ver o jogo de futebol por cima de um muro de 2 metros, enquanto Sicrano tem 1,50 e recebe um banquinho de 50 cm, para ver o mesmo jogo sobre o muro. O direito alcançado por ambos, é o mesmo, a única coisa diferente foi o caminho dado para que eles conseguissem acesso ao mesmo direito. Não existe vantagem entre Sicrano e Fulano, apenas um meio que o Estado deve buscar para que ambos possam ver o jogo acima do muro.
Por força dessa premissa de que o Estado deve garantir o acesso e os direitos à saúde de todo cidadão, de maneira igual, que a escolha do paciente deve ser respeitada.
Constituição Federal prevê a recusa da transfusão
De acordo com o artigo 5° da Constituição Federal, em especial o inciso VI, é que se baseia a justificativa para a recusa do recebimento da transfusão de sangue.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; [...] VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; [...] VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
O Princípio da inviolabilidade da intimidade, da vida, direito social à vida, à crença e religião, assim como a declaração universal dos direitos do homem são fortes fundamentos para que o direito de escolha do paciente prevaleça sobre a vontade de terceiros.
Princípio da Autonomia e o Código de Ética Médica
Somado a isso, há que se destacar que o Código de Ética Médica veda ao médico deixar de garantir ao paciente o exercício de sua escolha sobre o tratamento. Também proíbe o médico de desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante, salvo em situação de emergência.
No procedimento hospitalar, quando o paciente for submetido a tratamento, será apresentado a ele um Termo de Consentimento Informado (TCI), para que saiba de tudo e concorde com o tratamento ou procedimento indicado pelo médico.
Esse documento é obrigatório quando da chegada do paciente ao hospital, salvo em situações de emergência — emergência é quando o estado clínico do paciente não comporta tempo para formalidades, quando está entre a vida e a morte — em situações de urgência, o TCI é obrigatório, mas não em emergência.
Um meio de garantir que o paciente não receba tratamento diverso do desejado, é ter um Testamento Vital, que permite a sua manifestação de vontade para o que podem ou não fazer com seu corpo em caso de internação de emergência, até mesmo quanto ao evento morte.
Não sou Testemunha de Jeová, por isso não falo com experiência de causa, mas é importante dizer que a nós pode parecer que não faz lógica a pessoa escolher morrer a receber sangue de outra pessoa. Mas coloque isso dentro da sua fé, caso você tenha uma. Talvez a pessoa que receba o sangue não consiga mais viver consigo mesma, é uma grave violação à sua fé, ao seu amor por aquilo que acredita, e viver com o sentimento de pecado dentro dela pode levá-la a caminhos que não conhecemos.
Você acredita na santidade de uma vaca? Se sim, você não comeria sua carne.
Você é cristão? Se sim, você provavelmente não viveria bem caso matasse alguém.
É nesse sentido que devemos pensar, o sangue que a Testemunha de Jeová vai receber pode até salvar sua vida, mas a que custo? A qualidade da vida emocional dessa pessoa pode nunca mais ser a mesma. Repito, é uma grave violação da fé e do direito de crença, resguardados pela Constituição.
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Caso você prefira um contato mais próximo e me contar o seu caso, me envie um e-mail no endereço: lucassimon.adv@gmail.com
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